Nas manhãs de inverno, sob o dourado do sol me deitava sobre a laje da casa de meus pais
O calor da luz amarela do sol aquecia meu corpo, enquanto uma brisa fresca do inverno refrescava minha alma
Meus olhos fitavam o azul do céu, salpicado por flocos de brancas nuvens que desenhavam bichos, pessoas e objetos
Ficava ali por horas a fio, admirando as formas das nuvens a se desfazerem e se refazerem numa simbologia somente perceptível à compreensão de uma criança
Pequenos pontos negros se moviam vagarosamente no firmamento, me fazendo pensar, porquê os urubus voam tão alto e em círculos, pois de tamanha altura não podem avistar comida
Nos fundos da casa, acima da laje onde me encontrava, podia-se ver a copa encorpada da mangueira que mostrava seus frutos amarelados, sentir seu cheiro e imaginar o gosto forte do suco morno do sol
Muito além, a vida se multiplicava em casas que se repetiam indefinidamente numa aquarela cinzenta
Amava estas horas de encontro com o vento, o sol, o céu, os pássaros e as frutas.
Podia entender as mensagens nas nuvens, sentir o cheiro das frutas trazido pelo vento, toca-las e saborear seu gosto aquecido do sol
Entendia perfeitamente a geografia daquele bairro e conhecia cada rua, cada casa, cada telhado e cada pé de planta que se despontava por sobre a aquarela cinzenta, colorindo-a de verde
Conversava com anjos e até Deus já havia me visitado. Podia saber seus ensinamentos, ler suas mensagens escritas no céu ou ouvir suas vozes trazidas pelo vento
Numa destas manhãs, enquanto admirava os pequenos pássaros negros girarem em círculos no vazio infinito do céu, o vento trouxe aos meus ouvidos as vozes dos anjos
Me falaram de datas, mudanças, transformação, de uma missão muito importante. Também falaram de dor, força, destino, ajuda e amparo
Fiquei com medo. Medo de criança que dura somente um instante e logo se vai. Não como medo de adultos que demora, fica rondando a cabeça e tira a paz da alma
Meu espírito estava sereno, havia uma confiança no futuro e até uma ansiedade em alcança-lo. Coisa de criança que não sabe esperar. Que vive passado e futuro, tudo, no presente
O vento falava de um tempo marcado, de uma idade, de trinta e três anos. Falava de mudança, de transformação de morte
O sol aquecia minh’alma, fortalecia a vida, falava de futuro, de novidade, de esperança
Hoje dez anos após o dia marcado, compreendi os sinais, entendi a mudança e sofri a transformação ainda não acabada.
Quando toco as rodas de minha cadeira movo os meus arredores num espiral infinito que remexe a lama sob a superfície estagnada da convivência social.
Sinto os anjos sorrindo ao me atirarem no previsível mar lodaçal como simples objeto que ara a terra, removendo seus elementos nutricionais.
Ainda recebo do vento, palavras que viram poemas ou que se perdem nas conversas íntimas de amizade que se prolongam após encontros.
Como objeto, instrumento único de transformação, me movimento com a calma dos que não vêem e usam a alma para se movimentarem, ouço as vozes que não se podem ouvir e uso as mãos e o corpo para me comunicar.
Caminho um caminhar deslizante, leve, sem pressa. Um caminhar por caminhos certos, escolhidos, por onde obstáculos são previamente vencidos e uso a inteligência como simples facilitador de convivência social, pois aprendi que simplicidade e inocência são elementos da convivência espiritual.
Geraldo Nogueira
E-mail: gnogue@terra.com.br
Enviada em 30 de abril de 2006