A Deficiência dos Não Deficientes
Danúbia dos Santos da Silva*
Como nossa população ainda tem muito que aprender. Estamos em um século, onde as adversidades não são mais novidades, nossos jovens estão "adquirindo" algum tipo de deficiência em conseqüência da violência sofrida, da falta de consciência para não se beber quando se vai dirigir, ou por alguma fatalidade qualquer, como uma bala perdida.
Mas a minha indignação é apenas a falta de solidariedade e principalmente de consciência, no que se diz respeito às vagas exclusivas para deficientes físicos e idosos. Minha mãe é paraplégica, e já nos deparamos com várias situações que são no mínimo tristes, pois as pessoas não sabem do seu dia de amanhã, que um dia de fato, terão que usar aquela vaga exclusiva.
Minha mãe está paraplégica a 10 anos, devido a um acidente doméstico. Desde então, começamos a fazer parte deste "mundo" até então desconhecido pra nós, mas que também nos trouxe uma grande lição: da grandeza da vida. Como conseqüência, ela tem incontinência urinária, toma vários remédios para este controle, fora, o que ela sempre odiou na vida: ter de depender de alguém para fazer alguma coisa. No início foi difícil, mais aos poucos, ela foi ganhando sua "independência", que apenas depende de alguém somente para certas coisas.
Nos dias 02 e 03 de dezembro deste ano (2006), houve a Reacamp, aqui em Campinas, uma feira especializada em produtos e serviços destinada a este público. No dia 03, após o término do evento, fomos ao Shopping Unimart, lanchar. Estava no carro, eu, minha mãe, meu avô, que já é bem idoso, meu tio e Dona Matilde, uma amiga da família, que é cega. Eu estava "armada" de deficientes!!!! Neste shopping existem três vagas exclusivas para cadeirantes, que são aquelas vagas mais largas e acho que umas oito vagas para idosos. TODAS as vagas estavam ocupadas. Em uma delas, encontramos duas meninas do lado de fora e tinha outra pessoa dentro do carro. Chamamos a menina e perguntamos se havia algum idoso ou deficiente no carro. A mesma disse que não. Pedimos, gentilmente, que tirasse o carro da vaga exclusiva, para que eu pudesse estacionar. Ela voltou a nós, e disse que o motorista estava dentro do shopping. Eu disse que não haveria problema nenhum, mandaríamos anunciar para que o carro fosse retirado. Na hora, a pessoa que estava no banco do passageiro, manobrou o carro e nos "deu" a vaga.
Não bastando, quando retornei para estacionar, apareceu outro "deficiente" e pega a nossa vaga. Lá fomos nós de novo, gentilmente solicitar a vaga, que havia sido "dada" por outro. A mulher com muita empáfia e ignorância nos disse: - Se juntar eu e o que está dentro do carro, damos um. Foi o mais puro absurdo já ouvido em todos estes anos em que convivo com este novo cotidiano da minha mãe.
Não conseguindo algo louvável no shopping, resolvi escrever para o mesmo, e divulgar a todos, que tenham consciência de seus direitos e que façam valê-los. É muito humilhante, chegarmos a ponto de pedir uma vaga que por direito e garantia em lei, é "nossa". Eu digo "nossa", porque também faço parte deste mundo, indiretamente, e jamais, quando não estou com alguém que de fato necessite utilizar esta vaga, dou uma de "João-sem-braço", só porque no meu carro existe o distintivo universal do deficiente e a utilizo.
A meu ver, ainda existem muitos deficientes que não são deficientes, e que ainda têm muito a aprender com este universo, pois como citado anteriormente, podemos adquirir uma deficiência ou, mesmo assim, um dia seremos idosos. Nunca pensamos no dia de amanhã, e isto é muito ruim, pois estamos violando um direito de um ser humano. Deficiência não é doença, não se pega, e todos temos sentimentos. É lamentável ver e viver este tipo de situação, e saber que ainda levará algum tempo para que todos tenham consciência e não sejam mais deficientes de espírito.
* Danúbia dos Santos da Silva, 25 anos,
(filha de Ezenilda dos Santos da Silva; hoje paraplégica)