Estatuto da Pessoa com Deficiência: sim ou não?
*Geraldo Nogueira
"Nem sim nem não, muito antes pelo contrário", iniciar este artigo com esta famosa frase popular, certamente provocará maior suspense aos leitores. Por isso vamos tratar do "sim" e do "não", sem deixar de emitirmos nossa opinião sobre o impacto que a aprovação de um estatuto da pessoa com deficiência causará na sociedade.
Para compreendermos melhor o porquê de um estatuto, vamos resgatar um breve histórico do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, surgido em 13 de julho de 1990, portanto, pouco antes da adoção da Convenção sobre os Direitos da Criança aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, o que demonstrou uma sintonia dos constituintes brasileiros com as discussões de âmbito internacional havida naquele momento sobre a normatização para crianças e adolescentes dentro de um novo paradigma.
Mas o que de fato representou a adoção desse novo modelo legislativo em prol da criança e do adolescente?
Após o ECA, inicia-se no País uma forma completamente nova de perceber a criança e o adolescente. Até porque, antes tinha-se no Brasil, duas categorias distintas de crianças e adolescentes. A primeira dos filhos socialmente incluídos, os quais se denominavam crianças e adolescentes, outra, dos filhos pobres e excluídos, denominados menores pobres, consideradas crianças e adolescentes de segunda classe, aos quais impunha-se a antiga regra, baseada no direito penal do menor e numa situação legislativa irregular.
A partir da Constituição de 1988 e do ECA, que em síntese regulamenta o art. 227 da Constituição Federal, a criança brasileira, sem distinção de raça, classe social ou qualquer outra forma de discriminação, passa a ser sujeito de direitos, considerado em sua peculiar condição de indivíduo em desenvolvimento a quem deve-se assegurar prioridade na formulação de políticas públicas nas diversas instâncias político-administrativas do País.
Mas o que representará a adoção desse modelo legislativo em prol das pessoas com deficiência?
A situação legislativa irregular e a total exclusão social são modelos que já foram superados pelo próprio movimento das pessoas com deficiência. Existe, presentemente, um inegável crescimento da consciência social para a necessidade de inclusão social do segmento. Existe uma legislação nacional, que mal ou bem, é reconhecida internacionalmente como a mais inclusiva legislação das Américas. Com certeza, a atual condição da pessoa com deficiência é bastante diferente daquelas condições que levaram à edição do ECA.
A edição de um estatuto da pessoa com deficiência, por mais que o reconheçamos como instrumento jurídico com maior eficácia legal do que os direitos fundados em decretos, alguns inclusive, de fundo inconstitucional, do ponto de vista filosófico significará um retrocesso histórico, pois será a anulação de toda evolução alcançada pelos movimentos sociais instituídos pelas próprias pessoas com deficiência. Será uma volta ao passado, quando ainda não havia qualquer reconhecimento social da importância de incluir as pessoas com deficiência e, pior, será como se as pessoas com deficiência, a exemplo daqueles menores pobres, não tivessem qualquer condição de defesa social.
Em termos técnicos, na condição de advogado militante, posso entender a aflição de alguns por reconhecer a utilidade jurídica desse tipo de instrumento legal, mas também como militante social da causa das pessoas com deficiência vejo-me na obrigação de dar o alerta do significado social que isto representará no inconsciente coletivo. Em última análise, esse tipo de legislação soará como proteção assistida, tutela, separação e exclusão, reforçando um preconceito que vem sendo combatido e revertido ao longo dos anos de luta das pessoas com deficiência de nosso país.
Oportunamente, exatamente como naquela época, estamos diante de uma Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mas os paradigmas que levaram à edição do Estatuto da Criança e do Adolescente não são os mesmos e nem são parecidos com os que norteiam a situação social da pessoa com deficiência, até porque já se passaram dezessete anos da edição do ECA. Assim, faz-se urgente maior sintonia dos parlamentares brasileiros com as inspirações internacionais, aderindo à necessidade de ratificação da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência dentro de condições que a coloque ao nível da Constituição Federal ou, não sendo este o caso, que tenhamos uma lei federal norteadora dos princípios da Convenção para tornar seus ditames mais efetivos. Isto sim, seria um avanço, um caminhar pra frente!
*Geraldo Nogueira é Advogado especialista em direitos das pessoas com deficiência;
Diretor Jurídico do CVI-Brasil.
Consultor Jurídico do rampadeacesso.com