Nos Dias Atuais Aleijadinho Seria Discriminado
*Geraldo Nogueira
Ao ler o voto da Deputada Denis Frossard, como relatora do projeto de lei que estabelece crime de discriminação em razão de doenças de qualquer natureza (PL. 5448/2001, que altera a Lei 7716/89), fiquei, num primeiro instante, chocado. Bateu aquele sentimento de desânimo, um vazio interior na busca de respostas que pudessem justificar as duras palavras que acabara de ler. Chequei mesmo a ter um desejo de mudar de planeta. Todos estes sentimentos justificados na decepção de ver esvaziarem-se anos de trabalho em prol de uma efetiva inclusão social de pessoas com deficiência. Trabalho este até com bastante sucesso, haja visto a visível mudança de consciência social em torno do termo deficiência e inclusão na sociedade.
Fiz um esforço danado para entender as palavras da ex-juiza Denis Frossard. Por exemplo, quando ela diz ''A discriminação é válida quando se trata de doenças contagiosas ou de epidemia que coloca em risco a vida e a saúde da comunidade''. Ora discriminar negativamente a alguém nunca é válido. Tomar medidas preventivas quando se trata de doenças infecto contagiosa é uma atitude correta, mas cabe aos profissionais de saúde esse exercício. Na frase da Deputada usada como justificativa para não aprovar projeto de lei antidiscriminação, fica o recado de que qualquer pessoa por sua iniciativa e entendimento poderá agir livremente para discriminar pessoas doentes. Isto me faz lembrar os períodos de higienização social.
Vejam este outro trecho do voto da Deputada: ''A deformidade fere o senso estético do ser humano. A exposição em público de chagas e aleijões produz asco no espírito dos outros, uma rejeição natural ao que é disforme e repugnante, ainda que o suporte seja uma criatura humana. Portadores de doenças e deformidades costumam freqüentar locais públicos exibindo as partes afetadas do corpo, não só com o intuito de provocar comiseração, como também, com o propósito de afrontar a sensibilidade dos outros para o que é normal, saudável e simétrico.''
Afirmar que as pessoas com doenças ou deficiências freqüentam locais públicos só com o intuito de provocar comiseração ou com o propósito de afrontar a sensibilidade dos outros é de uma arrogância inaceitável. Primeiro porque mostra um desconhecimento, afastamento e insensibilidade para com causas sociais; segundo porque é uma mentira sem nenhum pilar de sustentação, uma vez que pessoas portadoras de doenças ou deficiências estão incluídas socialmente e freqüentam os locais públicos na condição de trabalhador, estudante, etc...
Bastaria citarmos Stephen Hawking, atualmente considerado o único gênio vivo na humanidade. Seria mesmo uma pena termos que discriminá-lo ou trocá-lo por pessoas insensíveis que não produzem nada ou que produzem muito pouco de bom para a sociedade, enquanto ele revolucionou a física. Também seria uma pena se não tivéssemos hoje as obras de Antônio Francisco Lisboa, ''O Aleijadinho'', ou se agora tivéssemos que seguir a sugestão de alguns e destruí-las, simplesmente porque foram feitas por uma pessoa com aleijões que produz asco no espírito dos outros.
Talvez a Deputada e Juíza Aposentada, Denis Frossard, tenha suas prevenções quanto à raça negra e aos homossexuais, pois pode ser possível que estas diferenças humanas também firam o senso estético e moral do ser humano.
*Geraldo Nogueira é Advogado especialista em direitos das pessoas com deficiência,
Seg. Vice-Presidente da Rehabilitation International para América Latina e
Diretor Jurídico do CVI-Brasil