Juizes, Cavaletes e Direitos
*Geraldo Nogueira
O sistema de transporte coletivo tornou-se verdadeiro "sistema circulatório" do mundo desenvolvido. Sua interrupção, a exemplo de um organismo vivo, causa um derradeiro colapso e, conseqüentemente, pára a maioria dos serviços, tanto públicos como privados.
Vivenciamos inúmeras vezes a paralisação do sistema de transporte coletivo, causado por uma greve no setor, uma falha no sistema, a queda de uma ponte ou um cavalete na estrada sinalizando que parte da pista foi levada pelas chuvas. Nessas ocasiões podemos avaliar, mesmo como leigos, as graves conseqüências econômicas, financeiras e pessoais advindas para toda a sociedade.
Havendo julgado sobre a condição de legalidade da greve, na maioria das vezes o Judiciário tem optado por considerar a paralisação dos transportes como ilegal e abusiva, justamente por acarretar prejuízos a variados segmentos sociais.
Para pessoas com dificuldade de locomoção é como se o sistema de transporte coletivo estivesse permanentemente em greve. Essa falha no sistema, tanto urbano, como intermunicipal e interestadual impõem à pessoa com deficiência a busca de um transporte alternativo que por ser mais caro, não está ao alcance de todos. Esta realidade é socialmente danosa, perversa e injusta, pois além de sobrecarregar o trânsito nas cidades e nas estradas, determina uma exclusão do indivíduo com dificuldade de locomoção a serviços essenciais à sua sobrevivência.
Diante desse quadro, o CVI-Brasil juntamente com outros parceiros propôs uma Ação Civil Pública contra as empresas do transporte coletivo interestadual para buscar acessibilidade, no mínimo, em dois horários por linha. O processo judicial teve início no ano de 2000 e recentemente obteve importante decisão do Juiz Carlos D'ávila, do Tribunal Federal de Recursos da 1ª Região que determinou, em tutela antecipada parcial, que todas as empresas de transporte interestadual da Bahia ofereçam em todos os destinos, pelo menos 1 horário diário com ônibus devidamente adaptado às necessidades das pessoas com mobilidade reduzida. Determinando ainda um prazo de 3 meses para que as empresas efetuem as adaptações e que a União não poderá renovar os contratos de concessão de serviços de transporte interestadual sem a previsão da adaptação necessária. Dessa decisão ainda cabe recurso, que certamente será interposto pelas empresas do transporte interestadual.
O lamentável é termos que recorrer ao judiciário para garantir o direito de ir e vir, um direito natural e constitucional, tendo ainda que lutar para conquistar um direito básico de cidadania, o direito ao transporte.
*Geraldo Nogueira é Advogado; Diretor Jurídico da Ong. CVI-Brasil e Seg. Vice-Presidente da Rehabilitation International para América Latina.