Publicado em 04/07/2004
Democracia ou "Demo"cracia"?
Segundo Aurélio Buarque de Holanda, democracia é a doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder. Mas, será uma só e em quaisquer circunstâncias?
Surgiu-me esta dúvida quando estive numa convenção da coligação de partidos. Confesso que jamais quisera ir a um evento deste tipo, mas como estamos em período de eleições, finalmente, no último 17 de junho, tomei coragem e fui conferir (era a convenção de coligação do PFL, PSDB e outros). Não fui como jornalista, mas como colaborador de um candidato que, por uma questão de credibilidade, gostaria ver eleito. Até pensei que fosse assistir ao exercício da democracia, daquela que equaliza eqüitativamente os direitos de todos, neste caso, à livre expressão para que possam expor suas idéias, objetivos e planos (principal ferramenta dos candidatos).
Bem, voltando à convenção - o que, lá, vi foi a manipulação do poder dos mais fortes sobre os mais fracos, e um grande exemplo de competição desleal. Quando digo - mais fortes -, não quero dizer mais competentes ou capacitados técnica e politicamente, ou os com melhores projetos e ideologias palpáveis, mas os que usam a sua experiência e poder político de forma anti-ética; os que usam o poder financeiro para se sobreporem.
Vi, comandados por uma pessoa, percussionistas batucando em altíssimo volume, sem qualquer melodia ou refrão que o justificasse, mas numa nítida ação de encobrir, abafar, com aquele "orquestrado" barulho ensurdecedor, o breve discurso de alguns "candidatos", e, ao comando desta mesma pessoa, silenciarem seus tambores durante o discurso de outros. Claro que não o faziam gratuitamente, e mesmo assim estariam contribuindo ignorantemente para o massacre da democracia; tal qual as pessoas que, acintosamente, encobriam com enormes galhardetes a imagem daqueles que subiam ao palanque, mas que não "deveriam" ser vistos. Certamente: esta não é a democracia igual para todos.
Vi a transgressão do direito de ir e vir - também prerrogativa da democracia -, caracterizada na imperdoável falta cometida pelos organizadores do evento que, sabendo da existência de candidatos usuários de cadeiras de rodas, não previram a instalação de uma rampa que facilitasse acesso destes ao palanque. Principalmente num tipo de evento, cujo objetivo é a apresentação dos candidatos à uma multidão; e que a comunicação, destes com o povo, dá-se através do microfone que os espera... solícito e ao mesmo tempo inatingível, instalado num palanque com acentuada elevação relativa ao solo; contudo, entre os dois, candidato e microfone, o que havia era uma desencorajadora escada feita de tábuas e tubos, excessivamente estreita e rústica, protagonista da queda, enquanto lá estive, de duas personalidades, fisicamente plenas.
Vi que desorganização deste evento causou constrangimento, ansiedade e uma certa angústia a dois destes candidatos usuários de cadeiras de rodas: um que ponderava como - e se - chegaria até lá em cima. Entretanto, este não desistiu. Finalmente, transportado pelos seguranças do evento, de forma perigosa e despreparada, alcançou o objetivo. Já o outro, na total impossibilidade de acesso ao palanque, foi tolhido da mesma chance de apresentar-se, pois não teve quem o locomovesse até aquele "Pico do Everest".
Cabe acrescentar que na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, contrariando a legislação criada lá mesmo, não existe acessibilidade interna para o Plenário, nem na entrada para a Casa, logo, afim de desempenharem seus mandatos, se eleitos, estes vereadores terão de estar acompanhados dos seus próprios "seguranças", estes, devidamente preparados para conduzi-los pelas escadas... como qualquer cidadão usuário de cadeiras de rodas que desejar ou necessitar ir àquela Casa, posto que é mais um órgão público a não disponibilizar acessibilidade adequada a todos, o que deveria ser ao contrário, pois o exemplo tem que vir de quem propõe e/ou determina, para não criar paradoxos.
Viva a democracia, mas aquela igual para todos, eqüitativa e plena.
Gabriel Martins
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