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Entrevista

Em entrevista ao rampadeacesso.com, o advogado Geraldo Nogueira, especializado em direito da pessoa com deficiência, Diretor Jurídico do CVI Brasil e Vice-Presidente da Rehabilitation International para a América Latina, fala sobre eleições, as vagas para deficientes e os editais de concursos públicos. Fala, também, sobre impunidade, a atuação da Polícia Federal e a Justiça brasileira, entre outros temas polêmicos.

RA: Em todo o Brasil, nas ultimas eleições, poucas pessoas com deficiência foram eleitas. A que você atribui este fato?

GN:
Um dos fatores, que eu atribuo, é que a maioria das pessoas com deficiência, que estão começando agora seu ingresso na sociedade, são pessoas que não dispõem de recursos para fazer frente à uma candidatura, assim suas campanhas são mais acanhadas, financeiramente. São pessoas que se lançam acreditando na bandeira e numa resposta de pessoas da área, e também dos deficientes e seus familiares. Por outro lado, os empresários, e o próprios partidos políticos, não acreditam nas pessoas com deficiência, por isso acabam não investindo nas suas campanhas.

Um outro fator é que, no Brasil, virou moda os candidatos a cargo político defenderem as causas dos grupos fragilizados, dentre estes os negros, os idosos e as pessoas com deficiência. Então estes candidatos com maiores recursos financeiros, e campanhas mais agressivas, confundem os eleitores, pois ainda que desconhecendo a área da deficiência, levantam a bandeira e fazem promessas, mesmo que depois não venham atuar nesta área, que é muito especifica, na qual só as pessoas que têm a vivencia ou a convivência conhecem suas demandas.

RA: Então não é por falta de credibilidade na pessoa com deficiência que, analogicamente, seria o candidato melhor representante do grupo?

GN:
Eu não acredito na falta de credibilidade dos deficientes e nem da sociedade em geral, por preconceito ou discriminação. O movimento das pessoas com deficiência alcançou um espaço grande na mídia, e até um espaço social. Claro, há muito a ser feito, mas também há muitas conquistas alcançadas em pouco espaço de tempo.

Acho que na campanha política há o fator financeiro, e uma confusão de informação. Os candidatos, que não são pessoas com deficiência, mesmo sem conhecer profundamente o assunto, também lançam propostas para este segmento, cujas propostas, pela força da campanha, chegam aos eleitores e acabam os conquistando.

RA: No mercado de trabalho, vez ou outra, vemos que pessoas com deficiência, aprovadas em concursos públicos, precisam entrar com processo para serem empossadas. Como advogado especializado nos direitos da pessoa com deficiência, o que você tem a dizer sobre isto? Quais são as principais demandas nesta área?

GN:
Nesta questão de concursos, a própria Constituição Federal faz uma reserva de vagas, e isto é repetido na maioria das constituições estaduais brasileiras, e também nas leis orgânicas municipais. Assim, em todos estes níveis existem as reservas de vagas para pessoas com deficiência, variando o percentual de acordo com cada lei de cada local. Inicialmente, a lei federal falava em 20%, depois o decreto regulamentou em um mínimo de 5%. Depois os municípios e os estados copiaram este percentual de 5%. Houve tempo em que esta cota não era cumprida, mas depois de uma grita dos segmentos e de alguns procedimentos jurídicos, nós temos visto o cumprimento desta reserva.

Mas o que tenho identificado ultimamente, até por demandas judiciais no meu escritório, é que existe uma discriminação velada. O que acontece: hoje, a maioria dos concursos tem uma parte objetiva e uma parte subjetiva. As pessoas com deficiência que estão concorrendo às vagas, declaram sua deficiência. Muitas destas pessoas, que chegam a até a mim, tem notas altíssimas nas provas objetivas dos concursos, e na partes subjetivas, as vezes, ficam reprovadas. O que nos leva a pensar que é uma forma de discriminar, já que a avaliação daquela prova subjetiva é feita por uma banca que sabe estar julgando a prova de uma pessoa com deficiência. Então, eu acredito que seja uma questão de discriminação, não só por uma questão de preconceito com relação à deficiência, mas por não saber como lidar com a deficiência.

No âmbito dos órgãos públicos, já que para as empresas privadas há uma outra legislação, eles julgam que vão adquirir um problema. A melhor forma de resolver um problema é evitá-lo. Então, eu acredito que esteja ocorrendo isto.

RA: Você acha que pode estar ocorrendo erro ou falha na confecção dos editais dos concursos? Ou seja, a falta de informação objetiva do tipo e grau de deficiência a que tal, ou tais, vagas comtemplam.

GN:
Como cada estado e cada município tem sus leis próprias, não poderíamos falar de todos. No caso de concurso público federal, regido pelo Decreto 5.296 de 2 de dezembro de 2004, há uma definição, neste decreto, do que seja deficiência para efeito deste concurso. Esta definição vem especificada por área, ou seja, deficiência física, visual, auditiva, mental, etc.

A pessoa que passa no concurso é submetida à uma perícia, que vai constatar se a deficiência do candidato se enquadra na exigência do decreto para efeito só daquele concurso. Quando o candidato, sem conhecimento do decreto, tem uma deficiência que não se enquadra naquele decreto, e faz o concurso julgando que vai se enquadrar, acaba descobrindo esta realidade. Portanto, o ideal seria que, antes do concurso, o candidato se informasse sobre as exigências daquele edital, para saber se está enquadrado como um deficiente apto a assumir aquele cargo.

RA: Hoje, como você analisa a atuação do CONADE e da CORDE?

GN:
Há algum tempo o CONADE melhorou muito. Ele passou a ter sua presidência conduzida por uma pessoa com deficiência, o que não acontecia antes. Desta forma passou a ter uma visibilidade maior, dentro da esfera do governo federal, e a CORDE passou a funcionar mais como uma secretaria executiva do CONADE.

A CORDE tinha uma projeção nacional maior que CONADE, por ter surgido antes deste. Mas na verdade o CONADE está acima da CORDE, é um órgão deliberativo, logo, ele delibera e a CORDE executa. Com o passar do tempo o modelo, por si só, foi se adaptando e passou a funcionar desta forma, como se a peça da máquina entrasse no eixo, fazendo a máquina funcionar ajustada. Agora estamos no caminho certo, então teremos um futuro melhor, tanto com o CONADE quanto com a CORDE, cada um funcionando dentro da sua competência.

RA: Em termos práticos, para quem quer ver ação, o que o Decreto 5.296 traz, numa visão geral, a curto prazo?

GN:
A proposta deste decreto é regulamentar duas leis federais: a Lei 10.048, que estabelece atendimento prioritário nos estabelecimentos privados, e nos órgãos e repartições públicas. E a Lei 10.098, que trata da acessibilidade na comunicação, meios urbanos, edificações e transportes.

O que o Decreto 5.296 traz de mais imediato é que ele deu prazo para algumas coisas acontecerem. Inclusive, nos transportes coletivos, que são um grande problema, no Brasil. Porque não temos, em nenhuma cidade brasileira, um transporte com qualidade, um transporte coletivo que realmente atenda as pessoas com deficiência. Infelizmente, nós temos este grande entrave, sendo que no Rio de Janeiro é o pior, eu diria que é um dos piores locais, até pelo tamanho da cidade. Porque há municípios menores que têm menos transporte, mas como a cidade é menor, o deficiente encontra alternativa para resolver o seu problema, sem o uso do transporte coletivo.

O Rio de Janeiro, como é a segunda maior cidade do país, deveria estar pelo menos em segundo lugar em termos de transportes, mas está em último lugar. Há municípios muito menores, que têm um transporte com melhor qualidade do que a encontrada no Rio de Janeiro, lamentavelmente.

Voltando ao decreto, ele visa trazer uma solução para isto. Ele diz que todo transporte fabricado no Brasil, ou adquirido por empresa que esteja sediada no Brasil, terá que ser adquirido ou fabricado já com acesso para deficientes, e deu prazo para isto comece a acontecer. E define prazo para outras questões, como acessibilidade nos órgãos públicos e para a televisão cumprir algumas regras de comunicação para contemplar os surdos. Então, ele traz vários prazos para o cumprimento das leis 10.48 e 10.098. Assim, vencidos estes prazos, o que não for cumprido, nós teremos instrumentos para executar isto em Juízo.

RA: O decreto 5.296 estabelece que tudo o que for construído a partir de sua publicação seja acessível às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Este decreto é um mecanismo suficiente?

GN:
Na verdade, há uma emenda constitucional de 1978, que já dizia isto, não para tudo, mas para todos os prédios para uso público ou coletivo, quer dizer, um supermercado não é público mas é para uso coletivo, e o prédio público é aquele do órgão público. Esta emenda é constitucional, ou seja, é mais que um decreto ou que uma lei ordinária, é uma emenda à Constituição, ou seja, é a própria Constituição. E ela já dizia que tudo que fosse construído, desde então, deveria dar acesso às pessoas com dificuldade de locomoção, mas nem tudo se cumpre.

RA: Então esta é uma daquelas leis que não são cumpridas?

GN:
Na verdade esta regra é válida. Nós, através do CVI Rio, entramos com uma ação contra o Metrô Rio, e o Metrô perdeu em todas as instâncias, por isso foi obrigado a acessibilizar algumas estações, inclusive faltam as outras, por isso está sendo movido um processo de execução da multa que já beira os 4 milhões de reais, porque o Metrô só acessibilizou 9 estações, das 33 que existiam naquela época. E o fundo da discussão foi esta emenda constitucional, já que o Metrô começou a ser construído em 1979, sem cumprir a aquela emenda constitucional de 1978, por isso perdeu na justiça.

RA: Mudando de assunto, como advogado e não como cidadão, você acredita que esta onda de denúncias acabarão em pizza, ou estaremos testemunhado a tomada de novos caminhos para a política no Brasil?

GN:
Foi bom você ter direcionado a pergunta para o lado técnico, porque eu já ia responder como cidadão, realmente são visões diferenciadas.

Bem, tecnicamente eu diria que, infelizmente, no Brasil, nós só alcançamos o status de país de direito, ou seja, nós temos um ordenamento jurídico bem organizado. Nós temos regras, leis, códigos. Temos uma justiça instalada. Este é o status do país de direito. Agora, o status do país de justiça é quando o país adquire um status no qual ele consegue colocar em execução esse ordenamento jurídico em igualdade para todos. Esse estágio o Brasil ainda não alcançou. Então, a justiça no Brasil funciona para uns, para outros não funciona. Por isso, a gente fica estarrecido, a cada ano que se passa, com situações parecidas. Quando pessoas que têm condições econômicas, ou que têm alguma fama, não são alcançadas pela justiça, que até tenta alcançá-las, mas as vezes não consegue porque essas pessoas têm tantos recursos que não são alcançadas.

Nós temos visto algumas questões pontuais, em que a justiça alcançou pessoas com alguma fama ou poder. Vou citar, como exemplo, o caso do cantor Belo, que encontra-se preso, assim como o filho do Pelé. Mas também há uma outra questão: eles não têm descendência ariana, embora tendo a fama e algum poder, existe esta outra questão. Então, no Brasil, lamentavelmente a justiça ainda não consegue alcançar a todos.

Eu acredito que nesta questão política, onde os políticos detém o poder sobre o funcionamento da justiça, ela está sendo sempre mudada em função deste poder elitizado. Então eu não acredito que a justiça alcance como deveria alcançar e a todos, como deveria, nestes episódios lamentáveis que estamos vivendo agora, no campo da política nacional.

RA: Foi o caso daquele chinês preso ao ser surpreendido ao tentar viajar para fora do país com o dinheiro da venda de sua pastelaria, em cuja prisão foi espancado até a morte?

GN:
Neste lamentável episodio do chinês, não foi exatamente uma questão de justiça, e sim de um aparelho policial, que também funcionou mal. Mas as pessoas que têm privilégio acabam se livrando de um incidente deste, porque a justiça é tão ineficaz nestes casos, que elas nem correm este risco, claro que a gente não quer que ninguém corra. Quando estes casos envolvem políticos e pessoas com algum poder, a gente vê que geralmente não acontece nada. Como no caso de milhões de reais que estão transitando por aí... Há pessoas que, se entrarem numa padaria e roubarem o que comer, sofrerão todas as penalidades da lei. E o poderosos aparecem rindo, debochando e dando as desculpas mais estúpidas possíveis, e a justiça aceita porque eles estão protegidos por alguma saída ou mudança nas leis, ou por que alguma autoridade consegue contornar os caminhos da justiça. É lamentável.

RA: Como você está vendo, nesta escalada de denúncias e apurações, a atuação da Policia Federal?

GN:
Nós temos poucas instituições funcionando bem, e a Polícia Federal é uma delas. Eu vou citar outras, como o Ministério Público, tanto federal quando estadual. Também os Correios, que está sendo vítima destes escândalos, mas é uma instituição brilhante e uma das melhores do mundo, que não merecia estar sendo exposta a este vexame que a gente está vendo.

A Polícia Federal tem se mostrado como uma polícia efetiva, inteligente, com uma atuação precisa, alcança e recolhe provas contra esses poderosos. E a justiça é incapaz de preservar estas provas e condenar com estas provas. Eu diria que nós temos uma polícia que a nossa justiça brasileira ainda não merece ter.

Da Redação.


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