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Entrevista

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Na foto, Carlos Eduardo, despachante especializado em isenções de impostos na compra de automóveis para pessoas com deficiência, e diretor da Adaequare, empresa instaladora de equipamentos e adaptações em automóveis para deficientes.

Em entrevista exclusiva ao rampadeacesso.com, Carlos Eduardo fala sobre a burocracia e as dificuldades que as pessoas com deficiência têm de enfrentar quando na compra de veículos com isenções de impostos, inclusive o próprio despachante já acostumado com estes entraves.


(Foto by Gabriel Martins / rampadeacesso.com)

Rio, março de 2007

RA:
Carlos, fale um pouco sobre a burocracia na isenções de impostos.

Carlos Eduardo:
No Brasil, quando alguém burla alguma lei, as autoridades criam uma serie de dificuldades para o justo cumprir, por causa do pecador. Por exemplo, na Receita Federal, hoje, para conseguir a isenção do IPI, o interessado tem que apresentar entre outras coisas a "Declaração de Regularidade de Situação de Contribuinte Individual do INSS". Mas para quê foi criado isto? Isto foi criado para obrigar os taxistas, que são autônomos, a manter em dia o imposto que eles têm que pagar, relativo à sua autonomia ao INSS. Mas isto acaba criando um grande problema para os deficientes, porque isto não foi criado para eles. Inclusive, muitos deficientes são dependentes, mas têm que ficar fazendo uma declaração de que são isentos de apresentar este tipo de regularidade.

Existem vários tipos de laudos, e as pessoas não informam devidamente aos deficientes que, por exemplo, uma pessoa com deficiência, que não seja condutora, quer dizer, que não seja habilitada para dirigir, não tem que ir pedir laudo nenhum ao Detran. Esta pessoa tem que pedir o seu laudo a alguma clínica do SUS ou credenciada pelo SUS, porque o Detran só avalia quem está se candidatando a motorista. E no caso de pessoa com deficiência, o Detran só está apto para analisar qual o tipo de adaptação que ela precisa para que possa dirigir com segurança para ela própria e para a sociedade.

RA:
Quer dizer que esta exigência pode prejudicar os que desconhecem os caminhos para fazerem valer o seu direito ou, no mínimo, retarda a aquisição do seu meio de transporte próprio?

Carlos Eduardo:

É. Porque, no IPI já está reconhecida a isenção para o não condutor, como o cego, o autista, o deficiente mental e o tetraplégico, que são pessoas que não têm habilitação. Só que na lei, o que acontece? Para a isenção do ICMS, aqui, no estado do Rio de Janeiro, a governadora assinou a lei **********, publicada no dia 28 de abril (mas eles devem estar muito ocupados, porque até hoje não conseguiram regulamentar esta lei), e, pelo o que diz esta lei, no caso da deficiência motora tem que ser atestada por órgão competente, e creio eu, o SUS seria também competente para isto, mas só que eles não estão aceitando porque ainda não foi regulamentada. E assim vai. Outra coisa: no caso do IPVA os não condutores não são isentos, por quê? Porque a lei diz que "são isentos de IPVA os veículos especiais de propriedade de portadores de deficiência física". Só que este "especiais" eles entendem como um veículo adaptado. E conforme o deficiente, como um autista, ele é penalizado, ele não tem direito à isenção do IPVA. Por quê? Porque não! O carro não é especial, ou seja, não é adaptado nem automático; porque quem vai dirigi-lo não é o deficiente. Aí fica complicado...

RA:
Você diria, então, que a pessoa com deficiência sempre é penalizada pela falta de normas claras, de informações adequadas, por leis injustas, pelo descaso caracterizado na demora da normatização de leis, e até pelo desconhecimento dos próprios atendentes dos órgãos públicos?

Carlos Eduardo:

É. Porque a pessoa com deficiência tem que ir até a Receita Federal, para conseguir a isenção do IPI; aí vai para a Receita Estadual, Secretaria de Fazenda, conseguir a isenção do ICMS, mas se ele quiser comprar um Honda, um Toyota ou um GM, ainda tem que fazer a isenção do ICMS no estado de origem do carro, ou seja do fabricante. E ainda tem a burrice. Aqui no Brasil as coisas são engraçadas. Veja: existia uma portaria, a CAT 51, que regulamentava o que a pessoa deveria apresentar os documentos para obter isenção, lá no estado de São Paulo. Essa portaria tinha um erro no seu Artigo 4º, que exigia que o veículo só poderia sair para posterior adaptação se o interessado residisse em território paulista. Brigamos, quicamos, reclamamos e eles fizeram a modificação. Na Portaria CAT, também 51, agora em 2006, eles tiraram a frase "em território paulista", mas agora, eu não sei se por ignorância ou propositalmente, ele colocaram a frase "na saída interna", ou seja: ainda no território de São Paulo, apesar da nossa Constituição, a Carta Magna (que político adora falar que é a Carta Magna), dizer que toda pessoa residente no Brasil é igual perante a lei, eu acho que o governo de São Paulo pensa diferente, pensa que São Paulo, apesar da vontade deles, é um estado que carrega o Brasil nas costas. Paciência! Mas é uma unidade da federação. Os direitos são iguais. Então por que só os moradores de São Paulo e que podem? Por quê? Porque os Detrans do Rio de Janeiro, de Minas, do Espírito Santo, da Bahia, do Tocantins não têm capacidade? O INMETRO, uma vez que, pelo menos aqui no Rio de Janeiro, o veículo adaptado tem que passar pelo INMETRO, só é competente no estado de São Paulo? Eu fico entendendo o quê? Que todo mundo frauda? Que só no estado de São Paulo é que tem santo?

RA:
Você acha que é uma desqualificação destas instituições quando não sediadas em São Paulo?

Carlos Eduardo:

Então só a Secretaria de Estado de São Paulo, o Detran de São Paulo, o INMETRO de São Paulo, a Receita Federal de São Paulo é que têm a capacidade de fiscalizar estas coisas. Então, quer dizer, se chega ao absurdo de uma pessoa amputada do membro inferior esquerdo, que só precisa de um carro com câmbio automático, mais nada, ele tem que poder comprar um carro de São Paulo, mesmo ele morando em Sergipe, no Rio Grande do Sul. Mas se, por infelicidade, o cidadão for amputado do membro inferior direito e, neste caso, ele vai precisar do câmbio automático ou a embreagem automática e, em ambos os casos, com o acelerador na esquerda? Então, quem é amputado da perna direita não vai poder comprar o carro se não morar em São Paulo?

RA:
Você comentou que algumas vezes precisa ensinar aos próprios atendentes. Isto quer dizer que muitos não estão devidamente preparados?

Carlos Eduardo:

É verdade, infelizmente. O deficiente físico, além de todas as dificuldades que têm, como a falta de estacionamento próximo dos órgãos públicos aonde ele tem que apresentar seus documentos, ainda acaba sendo penalizado, porque às vezes as pessoas do próprio órgão não estão informadas. Eu canso de dizer que às vezes estou dentro do Detran e vejo chagarem deficientes para pedirem laudo médico do Detran, às vezes pessoas precisando de laudo para crianças de colo. Por quê? Porque a Receita Federal diz que tem que ser do Detran. Então, o pessoal do Detran, que não eu digo que é melhor, nem que seja a maior das maravilhas, que eu não acho também, mas fica numa situação difícil, explicando que não tem que não tem que dar laudo nenhum para uma criança, e que eles só vão avaliar quem dirige. E a pessoa responsável pela criança fica exigindo, porque afinal de contas, foi a Receita Federal que mandou, quando o laudo tem que ser do SUS. Então a legislação tinha que ser mais divulgada, inclusive para que as pessoas saibam, as pessoas que têm direito.

No caso das pessoas com nanismo, muitos anões não sabem que têm direito, na verdade, eles dizem que os anões são verticalmente prejudicados. O deficiente físico não está preocupado com estas nomenclaturas não. Podem chamar do que quiserem, mas o que eles querem é que se garanta o direito deles. É importante colocar na cabeça da população, deficiente ou não, que isto não é nenhum favor do estado. Mais uma vez vamos voltar à Constituição, o direito de ir e vir está assegurado pela Constituição. Então, se o estado não consegue dar o transporte de massa adequadamente, que não dificulte isso.

RA:
Então o estado dificulta o acesso e este direito que ele mesmo criou?

Carlos Eduardo:

Na verdade, eu acho até mais, porque não é qualquer um que pode comprar um carro novo. Eu ainda acho que tinha que ter mais. Eles não dão bolsa alimentação? Então o estado deveria dar um carro popular para o deficiente, e de cinco em cinco anos o estado pegaria aquele carro e trocaria por um novo carro. Por quê? Porque estão mandando adaptar os ônibus. Mas estão adaptando a população para ter paciência ao aguardar o embarque dos cadeirantes? O motorista do ônibus não aguarda nem os idosos, a maioria nem pára. Na verdade não é só a questão das pessoas com deficiência, é preciso uma conscientização da sociedade de uma forma geral.

RA:
Voltando às isenções, você poderia contar um caso que chegasse aos parâmetros do ridículo, e um outro caso que o tivesse tocado pelo fato de você, a favor de uma pessoa com toda a necessidade e pleno direito, estar lutando contra a burocracia?

Carlos Eduardo:

Já houve um caso de eu estar com uma senhora, no Detran. Esta senhora havia sofrido uma lesão cerebral causada por um tumor, foi operada e, graças a Deus, está viva, mas que afetou o seu lado esquerdo, e ela é canhota. A funcionaria que a atendeu tinha de lhe entregar o documento, mas queira, e queria, que ela assinasse como estava em sua carteira de identidade. E ela não tinha como. Quer dizer, a falta de sensibilidade daquela funcionária, que fez a primeira licença daquela senhora, que preparou o laudo, inclusive o médico estava lá, mas ela não via que aquela pessoa não iria assinar como assinava antes. Nunca! Primeiro porque ela teve que reaprender a escrever usando a mão esquerda. Então, o despreparo do funcionário fica caracterizado aí.

Agora, tem lances legais de se ver, isso eu tenho até que elogiar, porque por mais que a gente venha a reclamar do nosso Detran do Rio de Janeiro, que eu saiba, no Brasil é o único que tem uma perícia médica volante. Ela não vai à todas as cidades, mas ela vai a Campos, a Macaé, a Itaperuna. Então, vai ao interior, porque no resto do Brasil não tem. Existem pessoas com boa vontade, eu até falo sempre que considero a Dra. Elizabeth, chefe da perícia do Detran, uma dessas pessoas. Eu tenho um cliente, o André, que tem uma má formação congênita nos dois membros superiores, e que nós adaptamos o seu carro. Então, para que ele pudesse ter a carteira dele, eu bati muita bola com a Dra. Elizabeth, para ver como se poderia adaptar o carro para que ele pudesse dirigir com segurança. Coisa que se outra pessoa fosse ver diria para ele: contrata um motorista. Eu canso de ver isto. Mas o André tem a carteira. A gente teve que indicar um carro com câmbio automático, colocamos os controles para os pés, como os faróis etc., diminuímos o diâmetro do volante e o aproximamos dele, então, diversas modificações foram feitas e ele hoje dirige pra cima e pra baixo. Teve um outro caso na Ilha do Governador. São coisas legais de se conseguir. Eu acho importante o trabalho de vocês, na divulgação disso.

Eu poderia citar vários outros casos. Tem uma porção de gente que vem falar: Ah! Eu tenho direito à isenção porque meu pai sofreu um AVC, ele está com hemiparesia, e não pode dirigir nunca mais. Então, tem um monte de pessoas que acham que não podem mais dirigir, e podem, sim. É só pegar um carro automático e com direção hidráulica. Inclusive já vimos casos em que os carros tiveram os volantes adaptados para serem guiados com os pés. É só uma questão de vontade e interesse de se proporcionar o direito à uma melhor qualidade de vida através da mobilidade e autonomia.

RA:
O rampadeacesso recebe inúmeros pedidos de informações sobre como proceder para obter as isenções. Nós indicamos os caminhos, mas sempre sugerimos que se procure um bom despachante, pois sabemos que os caminhos são longos, caros e burocráticos, e, mesmo assim, nem sempre se consegue. Você, que é citado como a maior autoridade em serviços de despachante nesta área, concorda em que nossa sugestão seja quase uma necessidade?

Carlos Eduardo:

Infelizmente, é verdade. Por exemplo, você, quando vê no site da Receita Federal, o que precisa. Você vai pegar lá. A instrução normativa 607 está lá. Aí, está pedindo a habilitação, laudo médico do Detran e a disponibilidade financeira, basicamente é isto o que se pede, mas se você não levar cópias da identidade, CPF, do comprovante de residência (conta de luz, gás ou telefone fixo), todas autenticadas, a Declaração de Regularidade de Situação de Contribuinte Individual. Mas e se ele não for contribuinte individual? E por quê? Porque, se o cidadão é aposentado ou é deficiente dependente de alguém, ele não tem. Se ele tem carro e esse carro tem menos de dois anos, tem que levar a nota fiscal da fábrica, para provar se ele comprou o carro com isenção. Então o interessado tem que estar provando e comprovando todas as informações. Enquanto nos países desenvolvidos todos são inocentes até que se prove o contrário, no Brasil todos são culpados até que provem sua inocência. Isto acaba criando mais burocracia, mais papelada etc. Até que pessoas como eu se dispõem a prestar este tipo de serviço, coisa que não deveria ser necessário, que é providenciar, acompanhar e agilizar os procedimentos para que as pessoas que têm direito às isenções consigam exercer este direito.

RA:
Você comentou que algumas vezes o próprio funcionário desconhece certos procedimentos, daí você precisa ensiná-lo. E em outras áreas, como nas concessionárias?

Carlos Eduardo:

É verdade. Infelizmente até alguns fabricantes desconhecem. A única que conhece mais a legislação é Fiat, pelo seu departamento jurídico. Veja: um carro fabricado num país membro do Mercosul como, por exemplo, o Peugeot. Acho que área jurídica deste fabricante estava meio desinformada, porque eles estavam deixando de vender carros com câmbio automático, que é uma necessidade de muitas pessoas, por causa do Peugeot 307. Por quê? Porque ele é fabricado na Argentina. Mas nossa legislação diz que os produtos fabricados em paises membros do Mercosul têm o mesmo tratamento. A Fiat já sabia disto, tanto que eu já cansei de adaptar Siena fabricado na Argentina. Parece que a Peugeot está começando a descobrir isto agora.

Da Redação.


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