O Sorriso Estratégico
Um dia destes, após analisar os prós e contras, resolvi deixar o meu carro na garagem e ir de ônibus para o escritório no centro da cidade. Na volta, final de tarde, aquele trânsito... Claro que gostaria de chegar o mais depressa possível, como todas as pessoas após um dia de trabalho, mas, percebendo a total impossibilidade disto acontecer, preferi relaxar.
Vez em quando, para enganar o tempo, eu conversava com o motorista que nos conduzia. Durante a conversa fiquei sabendo que, forçado pela empresa, ele estava dobrando a jornada de sete horas. Sua nítida exaustão era justificada pelo péssimo estado de conservação da sua ferramenta de trabalho. Notava-se o esforço que o homem fazia nas mudanças de marchas do veículo. Além do calor interno, o coletivo, lotado e sem ar refrigerado, estremecia fazendo barulho em todas as partes. Contudo, íamos nos arrastando e vencendo o engarrafamento.
De repente tudo parou de vez. Demos com uma passeata. Ficamos parados por quase uma hora. Era uma reclamação generalizada, neste caso, não contra o motorista, lógico. Quando o trânsito melhorou, voltamos a andar mas o tal ônibus não desenvolvia; isto porque os donos de empresas mandam os mecânicos diminuir o fluxo de combustível destes veículos (fins econômicos).
Para nós que estávamos dentro do coletivo, desde que este andasse, tudo era lucro, pois o pior já tinha passado, voltando o silêncio entre os passageiros. Até que, mais adiante, embarcaram duas mulheres. Cada uma reclamava e esbraveja mais que a outra, neste caso, contra o pobre motorista. "Estou aqui esperando há mais de uma hora!. Não é possível!", dizia uma. "Ou é lerdeza, ou é pirraça.", acrescentou a outra. E, resmungando, foram para a parte de trás do veículo.
Tendo que passar por todos os transtornos e ainda ouvir as queixas daquelas passageiras, achei que o motorista iria revidar aos seus desaforos ou, talvez, explicar-lhes o motivo da demora. Mas, ele apenas abaixou a cabeça e deu um sorriso escondido. Não resisti e comentei sobre a sua notável paciência, ao que ele respondeu:
- Se eu dissesse alguma coisa, fosse o que fosse, elas poderiam ligar para a empresa, dizendo que fui grosseiro ou sei lá mais o quê, e eu ainda podia pegar uma suspensão.
A resposta daquele motorista me fez pensar o quanto pode valer, nas horas certas, um secreto sorriso estratégico.
Gabriel Martins
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